segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

OS MÚSICOS - ANTÓNIO BOIEIRO




Almadense , ultra-romântico, revolucionário “cultural” de espírito e actos. António Boieiro escreve poesia e faz música desde sempre (a data certa perde-se, seguramente, na bruma da década de 80).
O primeiro livro, “Suave Negro Hábito”, aguarda ainda publicação, para grande desapontamento do mundo literário em geral. Seguiu-se “Contos da Lua Nova”, já na década de 90, não publicado por opção mas a circular nas mãos de alguns eleitos, e “Esta Doença Que É Escrever”, lançado em 2006 para gáudio de todos em particular e do autor em geral.
“Que O Acordar Seja O Anoitecer” e “Sem Cravo Na Lapela” levaram a poesia de António Boieiro a um público mais amplo. Dois espectáculos em que a poesia piscava o olho ao teatro, com o autor a dar voz aos seus próprios textos sobre o palco, com cenografia e encenação do próprio.
Na música, e antes de ser “recrutado” para In Tempus, Tó (como é mais conhecido nestas lides) aplicou os seus dotes vocais e de letrista a projectos como “O Incesto”, música moderna portuguesa pura e dura, “Poetry Of Shadows”, uma exploração de terrenos mais “góticos” , “Presságio”, uma experiência baseada na voz, guitarra clássica e todo o tipo de percussão e, ainda no activo “The Witness” , electro-industrial alternativo.
Da união destas duas grandes paixões nasce ainda um outro projecto, também ainda em plena ebulição: “Doce Cicuta”, no qual a guitarra portuguesa e a poesia se interligam e complementam em espectáculos de pura alma.
Algures no meio disto tudo e, de certo modo, na sequência lógica da coisa, emerge o seu alter-ego “DJ Goblin”, bem conhecido aos comandos dos leitores de CD’s em espaços como “O Lado Negro do Rio” e “O Culto” e com incursões como convidado na “Caixa Económica Operária” e “Disorder”, entre outros, tanto a solo como enquanto a metade “dark” da dupla de DJ’s “DarkLight Project”.
Declama poesia sempre que pode, tanto em eventos pontuais como semi-regulares. Destacam-se as sessões de “Poesia Vadia” (anteriormente com domicílio fixo num espaço em Cacilhas e que agora procuram novo “poiso”) e as noites de incentivo à poesia, nas quais, e durante alguns meses de 2006, desafiava semanalmente os incautos que se encontrassem no espaço a descobrir não só o prazer de ouvir mas também de dizer poesia.
Actualmente dedica-se também á declamação de improviso “spoken-word”tendo gravado poemas de improviso no disco “Poetas e vozes de Almada” e sendo uma das suas principais funções com membro de In Tempus.

2 comentários:

El B disse...

Conheci o Tó numa noite, no Lado Negro do Rio, após ter assistido a uma actuação dos Doce Cicuta.
No final, um amigo comum apresentou-nos e tivemos uma conversa bastante interessante acerca de coincidências, de que estas não existem, de poesia e paganismo, etc..
Recordo que me aconselhou a ler a Profecia Celestina. No espaço de um mês, foi a terceira pessoa a fazê-lo e achei que de facto não havendo coincidências, deveria lê-lo e assim fiz. E foi uma Revelação.
Tive a oportunidade de assistir ainda a algumas sessões de Poesia Vadia no, igualmente extinto, Café com Letras.
Daquela primeira noite no Lado Negro, dois versos ficaram-me presos à memória: "O Amor é o Apaziguar de uma dor constante" e "Hoje morreu alguém, que não sendo ninguém, era toda a gente".
E um deles inspirou-me a escrever uma história que publiquei num blog.
Um grande abraço ao Tó e que continue a sofrer dessa doença que é escrever.

El B disse...

“O Amor é o apaziguar de uma dor constante”
Saí de casa e conduzi-me para a margem do Tejo. Sob os auspícios da Lua, caminhei pela rua escura acompanhado pelo marulhar das ondas, que vinham desfazer-se contra o paredão, acentuando o tom lúgubre daquele local parcamente iluminado pela tonalidade amarelenta dos candeeiros. Na margem oposta as luzes da cidade rivalizavam com as estrelas. Caminhei mais um pouco, fumei com o que restava do cigarro e após aquela última e demorada aspiração, entrei no “Lado Negro do Rio”.
Ali a atmosfera pouco contrastava com o exterior, mas agora estava mais sombrio que o habitual: sem música; luzes apagadas... As velhas paredes brancas estavam tingidas pelas roupas negras daqueles que, como eu, íam chegando para ouvir a declamar poesia, acompanhada pela melodia pungete da guitarra portuguesa. Poeta e músico ocuparam os seus lugares no centro da sala, rodeados por uma assembleia ávida. Eu sentei-me naquela Ágora improvisada e aguardei.
Silêncio. Ouvem-se os primeiros acordes.
“O Amor é o apaziguar de uma dor constante” – gritou subitamente a alma do poeta o verso arrancado à folha que segurava entre os dedos. Num gesto longo, dirigiu-a à pequena chama da vela e incendiou-a. Um clarão intenso revelou o olhar dolente com que a fixava. Despediu-se do pequeno pedaço de papel, largando-o em direcção ao solo, onde se consumiu num numa labareda efémera. Fogo-fátuo que se extinguiu num amontoado de cinza, devolvendo à sala a penumbra entrecortada por espectros que assistiam silenciosos. E o poeta continuou a declamar, acompanhado pelo tanger da guitarra que lhe amparava as palavras.
Imerso naquele momento cénico, procurei interpretar a metáfora ali representada.
Delicada, a chama da vela e ténue a sua luz. A escuridão à distância de um sopro. Frágil, mas suficientemente forte para nos captar o olhar, para inflamar palavras e incendiar quem lhe tocar. Farol entre trevas. Rasgão na cortina de noite. Suficientemente intensa para apaziguar uma dor constante.

Nota: A frase que dá título a esta história é retirada de um poema de António Boieiro. Assisti a esta actuação no bar "O Lado Negro do Rio". A declamação de poesia foi acompanhada à guitarra portuguesa por Lima (projecto Doce Cicuta)

Escrito por: James Starfield

Publicado em: http://saladofundo.blogspot.com